por @lilahbete
“Neste exato momento, ninguém, absolutamente ninguém está pensando em mim.”
Eu era ainda uma meninota e em um dia azarado, sofri um feíssimo tombo, uma escorregada feia na frente dos meninos mais velhos da escola, incluindo aquele que eu estava paquerando.
Desastre completo e absoluto. Foi um dos poucos momentos da minha vida em que eu realmente desejei a volta de Cristo, ou qualquer outra mágica que me tirasse dali.
À noite, não conseguia dormir, não conseguia parar de pensar no vexame.
Foi então que uma doce brisa me trouxe à mente a frase acima. Fiquei pensando no absurdo da minha posição – enquanto eu estava ali, revirando-me na cama, todos os meninos e meninas estavam dormindo em suas casas, nenhum deles pensando mais em mim e na minha vergonhosa queda.
Vejam como eram as coisas: nossos pais não tinham dinheiro para nos enviar a psicólogos, os meus nem pensavam nisso. Então, a dona Vida, ou o Cosmos, ou a Doce Consolação, enfim, o bom Deus se encarregava pessoalmente de consolar a meninada. Pena que hoje os jovens não estejam ouvindo esses sopros; talvez seja o excesso de barulho em suas mentes, ou outra coisa que desconheço.
Essa frase me confortou totalmente. Esqueci o vexame e adormeci. Mas como coisas boas não se esquecem, não me esqueci da frase; ela me serve até hoje, serve até este exato momento em que estou aqui escrevendo. Digo isso porque são muitas as minhas escorregadas. Ontem mesmo escorreguei feio em um tomate. Anteontem, em uma casca de banana. E, transantontem como diria a Élita, minha amiga mineira, dei uma bela pisada de bola por aí. Os tombos são sempre feios, sempre tem alguém olhando; muitas vezes estou de saias e nem sempre estou com minha melhor calcinha.
Por isso, essa frase sempre se encaixa perfeitamente. Ainda bem que não ocupo o pensamento do meu próximo por mais de quinze segundos, ou menos, talvez nem isso, ou nada. Ainda bem. Considerando as minhas constantes escorregadas, é bom mesmo que eu seja esquecida, senão como fica a vergonha?
Esta tarde estava sentada em um banco, por volta dos lados do metrô Ana Rosa, quando a tal frase me veio à mente. Eu me senti deliciosamente sozinha no universo; foi então que pensei algo assim como: existir, existir de fato, é estar unicamente no pensamento de Deus.
Mas depois olhei para os lados. Ao meu lado esquerdo, havia uma mocinha compenetrada lendo “A mão e a luva”, de Machado de Assis. À direita, envelhecia um pouco mais uma discreta senhorinha japonesa, usando o sempiterno chapeuzinho branco de pano, não parece que elas são clonadas? E à minha frente estava um belo moço alto, moreno, de olhos verdes tão bonitos como as águas do Rio Bonito. Eu olhei para a mocinha, ela me olhou. Eu olhei para a senhorinha, ela me olhou. Eu olhei para o moço, ele também me olhou.
Foi então que me veio outra frase: existir é estar ao alcance do olhar do outro, também. Mesmo que seja por cinco segundos.
Se é assim, eu existo.
Eu existo, sim.
Eu existo, amém.
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