Você vai crescer

por @lilahbete

Esta historinha é muito legalzinha, eu gostei demais de ouvir e sei que vocês irão adorar ler. Ouvi de primeira mão de um cliente, ou melhor, um candidato a cliente, do Banco em que eu trabalhava. Fazer visitas a clientes em potencial e abrir novas contas era meu serviço, e eu dava péssima conta do recado. Talvez e em grande parte porque ao invés de falar de Mercado, Bancos e demais assuntos financeiros, eu me interessava pelas experiências das pessoas, experiências essas não tão bancárias assim.

Foi exatamente assim com esse moço, comerciante da rua 25 de Março, falante, simpático, mineiro. Enquanto tomávamos um delicioso cafezinho, ele me contou sua história.

Menino rico, filho único de pai fazendeiro, tinha tudo o que queria. A fazenda ficava em Minas Gerais, alguma cidadezinha remota que não me lembro. Mas lembro que era pequena. Como ele tinha de tudo, ele tinha, claro, a sua vitrolinha. Uma vez por mês, ele tinha permissão de ir ao centro da cidadezinha, na única loja de discos que lá havia, para se abastecer.

Ele voltava encantado. Como estão saindo músicas bacaninhas! ele pensava.

Havia a que ganhou de imediato seu coração:

Vamos passear de submarino amarelo Hey!
Submarino Amarelo Hey!
Submarino Amarelo… Com uns carinhas muito legais chamados Os Vips.

O Ronnie Von que fazia muito sucesso na época gravou uma chamada Meu Bem:

Se você quiser ouvir então a minha história
Sobre alguém a quem eu muito amei
Só direi que ela deixou sua imagem ilusória
No meu coração que eu fechei
Ah, meu bem!
Meu bem!

Essa era linda. E ele cantava e ouvia demais. Quase furou o disco.

E o que dizer do Renato e seus Blue Caps?

Você vai crescer e então verá
Como é bom sofrer, sofrer e amar
Se eu não sou seu bem
Porque é jovem pra mim

Eu te esperarei até o fim (até o fim)
Até o fim (até o fim)

Ele ouvia essas e muitas outras. Michelle, com os Golden Boys, uma maravilha. E Ana, com Renato e seus Blue Caps. Também deles Menina Linda, muito boa. Até que apareceu a insubstituível no seu coração: Hey, Jude, com os The Fevers, famosos animadores de bailinhos nos anos 70.

Hey Jude, não fique assim
Sabe a vida ainda é bela
Esqueça de tudo que aconteceu
Amanhã será um novo dia.

Essa ele copiou no seu caderno, e cantarolava até cansar. E ficava admirado desses artistas que estavam lançando tanta música boa, tudo no mesmo tempo. Anos 60, começo dos anos 70. Não se esqueçam que a cidadezinha era remota, ali não chegava nem notícia ruim.

Até que ele completou 16 anos, e pode ir sozinho à Capital, a Belo Horizonte, e ele não perdeu tempo, correu a uma loja de discos.

Ele me contou que viu novos disquinhos, todos de uma só banda, e quase teve um ataque. Nessa altura da história eu já tinha dado muitas risadas, toda divertida.

Foi aí que aconteceu. Ele conheceu os originais! Yellow submarine! Girl! You Won’t see me! Michelle! Anna! I Should Have Known Better! E a imbatível Hey Jude. E muito mais.

Ele entrou em verdadeiro estado de choque. Ele descobriu os Beatles, o original por trás do genérico. Ele tinha saído para fora da caverna de Platão! Todas as músicas dos seus disquinhos eram apenas sombras da realidade luminosa que esperava por ele do lado de fora. E o lado de fora da caverna era ali, na loja de discos, onde os Beatles reinavam absolutos. Ele se encantou com a roupagem original daquilo que ele já tanto amava, se encantou com cada refrão, com cada acorde, com cada verso, com a musicalidade incrível daqueles caras.

Desnecessário dizer que ele comprou tudo.

Quando eu o conheci ele estava no trabalho de comprar tudo de novo em CD.

Um apaixonado por Beatles. Que os conheceu ao contrário. De dentro da caverna. Terminava ali a infância, começava oficialmente a juventude, conforme prometeu a singela versão de Renato e seus Blue Caps: você vai crescer.

Você vai crescer e então verá
Como é bom sofrer, sofrer e amar
Se eu não sou seu bem
Porque é jovem pra mim

Eu te esperarei até o fim (até o fim)
Até o fim (até o fim)

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