As mil e uma vozes de Walcyr Carrasco

Por Rui Santos

Divulgação/TV Globo

Walcyr Carrasco é atualmente o principal autor de novela da Globo. Jornalistas e analistas especializados na cobertura da TV costumam dizer que a alta cúpula da Globo costuma convocá-lo para levantar uma faixa de horário que esteja em crise. Salvo poucas exceções, ele sempre cumpre o objetivo e, talvez, seja o único autor a ter escrito tramas para todas as faixas de horário da emissora nos últimos 20 anos.

Os mesmos jornalistas e críticos têm uma resistência às suas obras, talvez com certa razão, em geral apontando a falta de criatividade e repetição de temas nas tramas das seis ou a baixa qualidade do texto, os absurdos e os desserviços às causas das minorias nas tramas das oito. O canal Coisas de TV, apresentado por Fabio Garcia e Larissa Martins, que eu sigo e gosto muito, apesar de ter algumas críticas, criou um pequeno alerta toda a vez que citam Walcyr.

Não tenho elementos para falar como a crítica avaliou “Gabriela” e “Verdades Secretas”, portanto, não tratarei sobre elas. Em relação à faixa das sete horas, bem… não se chuta cachorro morto. Todas muito abaixo da capacidade do autor. Salvo a incrível composição de Cássia Kiss para Dulce, a pobre vendedora de cocadas que é enganada pelo próprio filho (Klebber Toledo), em “Morde e Assopra”.

As críticas contínuas sempre me despertaram algumas curiosidades: por que se tem a impressão de que Walcyr capricha nos textos das novelas das 18h, enquanto as novelas das oito, pelo pouco que vi e ouvi, têm diálogos tão sofríveis? Salvo alguns fracassos, por que suas tramas sempre fazem sucesso (em números de audiência)? Mesmo com um texto considerado ruim, para o horário das oito, e a trama óbvia e repetitiva, para o horário das seis, por que atores consagrados, que podem escolher seus trabalhos, continuam a atuar nas tramas de Walcyr? Só para citar alguns exemplos, Ana Lucia Torre, Elisabeth Savalla, Nathalia Timberg, Marieta Severo, Laura Cardoso, Osmar Prado, Emiliano Queiroz, Mateus Solano, Adriana Esteves são alguns nomes que, mais de uma vez, estrelaram sucessos do autor

Foi no final de Êta! Mundo Bom que compreendi que Walcyr Carrasco constrói seu texto respeitando a contemporaneidade, o contexto social e a condição social. No último capítulo, compreendi que o vocábulo dos personagens na cidade seguia algo protocolar, organizado, quase que ditado, como um jogral, onde as personagens pronunciavam pausadamente o texto para não ferir a norma culta. Tal como um aluno de inglês que está em transição da fase intermediária para a fluência no idioma. A fala não é mais espontânea, há uma preocupação com os erros, com a escolha do verbete mais adequado para a situação a ser comunicada, evitando o uso de termos equivocados.

Os personagens rurais já não têm essa preocupação. Falam de forma natural, atabalhoada, sem a necessidade de estarem alinhados às regras da norma culta. Com o seu próprio sotaque, sem se importarem se estão se comunicando seguindo o sotaque das consideradas classes mais altas ou mais cultas. “Sem macaquear o português”, como uma vez disse Manuel Bandeira.
Percebi então que Walcyr também utiliza o registro da palavra e da comunicação para intensificar a caracterização temporal em suas obras. Falamos de uma forma diferente atualmente do que em 1940. Há quem goste, há quem é saudosista e acredita que as pessoas falavam melhor antigamente.

Mas, a questão é que, nas novelas contemporâneas, a agilidade das comunicações, das relações, das tramas precisam ser contempladas também na linguagem utilizada. Os comportamentos eram distintos. As ambições também. O Direito e a Justiça estavam sempre ao lado dos personagens mais integrados à sociedade. Em “Êta! Mundo Bom”, não há nenhuma família do estilo comercial de margarina. Todos os personagens participam de núcleos familiares reconstruídos, sem a base pai-mãe-filhos.

Confesso que eu sou um dos noveleiros que não é atraído pelas tramas modernas do Walcyr. Comecei a acompanhar “Amor à Vida” e depois abandonei. Do outro lado do “Paraíso” e “A Dona do Pedaço” também passaram batido. Prefiro as tramas das seis, com direito a núcleo da roça, animal de estimação pitoresco, banho no chiqueiro, núcleo cômico, mocinhas insonsas (no caso de Filó e Serena) e vilãs más, muito más. Não me importo com a repetição.

Sobre mim

Oi, a partir de hoje, teremos encontros semanais neste espaço, onde pretendo escrever textos e palpitar no podcast sobre assuntos gerais. Pode ser cultura geral, em especial novelas e livros, que são minhas paixões, o voo de um joão de barro em bairro nobre de São Paulo, a preguiça e o ócio, espiritualidade, comportamento, coisas bizarras, etc… sempre de uma forma alegre, analítica sem tamanho, sem preocupação com a correção acadêmica, porém sempre aberto a receber críticas e correções caso eu fale uma bobagem absurda. Obvio, dentro das regras de civilização e de educação.

Debate político é sempre bem-vindo, desde que não descambe para Fla-Flu. Indicações de livros, citações, troca de experiências, tudo o que contribuir para o desenvolvimento e nosso crescimento também podem ser compartilhados.

Estou prestes a completar 47 anos (mas ainda com jeito de novinho). Sou sagitariano do final de novembro, nascido no meio da pauliceia, no Hospital Brigadeiro, ouvindo o obstetra responsável pela minha estreia no mundo assoviando Moça, do Wando. Sucesso na época. Filho dos mineiros D. Hilda e seu Santos, um casal simples, mas com uma retidão ética, uma fé e uma clareza que não vi em muitos colegas universitários.

Sou formado em Relações Internacionais pela PUC-SP, na primeira turma, e em Direito pelo Largo de São Francisco. A paixão pela literatura sempre foi constante e pretendo seguir meus cursos de pós buscando um diálogo entre ela e alguma outra ciência.
Ufa! É isso, quem quiser trocar uma ideia, meu facebook e meu instagram estão disponíveis.

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