Ao contrário do rock, Erasmo Carlos partiu sem envelhecer

Em “A História Social do Jazz”, do historiador britânico Eric Hobsbawm (1917-2012) analisa a evolução dos movimentos sociais que contribuíram para a existência do jazz. Uma das conclusões mais superficiais a que se pode chegar é que o jazz não é exatamente um ritmo, mas uma aglutinação de culturas musicais como o gospel, o blues, o bebop, e outros caminhos que foram criados.

Tenho a impressão de que o Rock´n roll também é uma expressão guarda-chuva para abrigar diversos ritmos, desde o rockabilly, passando pelo metal, rock melódico, punk rock e por aí vai. Sem contar que o próprio rock bebeu das fontes do jazz.

Mas a grande diferença entre um e outro movimento é que o auge do rock se deu em um contexto onde ocorria uma ressignificação da juventude, que passou a ser mais contestadora e se afastar dos padrões de reprodução que vinham de seus antepassados. Era a proclamação da autonomia, do flower power, sexo livre, loolapalloza, o grito contra toda a forma de discriminação, racismo, summer soul em 1969.

Nesse contexto, a música brasileira desfrutava de prestígio mundial com a Bossa Nova, mas mal desconfiava que ainda iria viver seu período de auge. Formava-se, entre o fim dos anos 50 e anos 60, o que chamo de “A Turma da Tijuca”: jovens como Tim Maia, Jorge BenJor e Erasmo Carlos começavam a procurar seus caminhos. Um jovem que chegava do Espírito Santo, chamado Roberto Carlos, veio para completar esta patota.

Todos eram influenciados tanto pelas ondas que começaram com a batida inovadora do violão, a voz sussurrada, quase falada, a completa desobediência ao compasso de João Gilberto, associado ao talento de Tom Jobim, Vinícius de Moraes e outros gênios. Por outro lado, o rock também engatinhava no Brasil, com influência do som que chegava de outros países. A contribuição vanguardista de Celi Campello, na minha opinião, é o pontapé para o início do rock no Brasil.

E Erasmo foi um dos estandartes do rock brasileira. Sua parceria com o amigo de fé, irmão, camarada, super bem analisada na biografia censurada Roberto Carlos em Detalhes, de Paulo Cesar de Araújo, firmou os pés para que, anos depois, a guitarra elétrica e o iêiêiê conquistasse a juventude brasileira por meio dos integrantes da jovem guarda.

O rock em geral não resistiu ao teste do tempo…
Em minha opinião, tirando algumas bandas, virou uma estética ultrapassada, quadrada, de fácil reprodutibilidade. Qualquer família de classe média dá de presente aos filhos de 10 anos uma guitarra, para formar uma bandinha de garagem e tocar os mesmos ritmos.

Não foi um movimento que soube preservar o seu frescor, tanto na forma quanto no conteúdo. Aficionados pelo ritmo quando jovens, passaram a ser senhores chefes-de-família, que pagam seus impostos e se autoproclamam cidadãos de bem, defendendo pautas conservadoras, machistas, misóginas e homofóbicas, e enterrando de vez os sonhos de mudança.

Porém, não são todos. Erasmo era um exemplo. Confesso que não estudei profundamente a sua obra, mas a sua postura sempre foi a de um jovem inquieto e questionador. Me encantava vê-lo, mesmo aos 80 anos, com uma roupa jovem, honrando suas camisetas e calças jeans. Nos anos 80, compor temas provocadores como “Dá um Close Nela”, “Mesmo que Seja Eu”, e o hino feminista “Mulher”.

Ao contrário do Rock, mesmo com seus cabelos brancos e rugas, aos 81 anos, Erasmo não conseguiu driblar a morte. Mas, ao partir ainda muito jovem, venceu as teias de aranha do tempo.

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