“Tem uma coisa que me guia, dois direitos fundamentais que toda criança tem: à verdade e igualmente à fantasia”, afirma Andréa Oliveira

Autora do livro infantil “Maria Firmina, a menina abolicionista”, a escritora esteve na edição da Flip de 2022

Por Letycia Holanda

Algo que é recorrente para todos que acompanham a programação da Festa Literária Internacional de Paraty, e ainda mais evidente nos depoimentos relativos aos 20 anos do evento, é que os seus ventos sopram para muito além da mesas principais.
A “Flip de fora”, formada pelas editoras independentes e através das atividades paralelas alcança, ou melhor, reencontra os caminhos que resultam no que é a festa em si.

E um desses movimentos é percebidos na Flipinha, com atividades voltadas para as crianças e a todos aqueles que escrevem e pensam conteúdos para o público infantil. Trabalho que ecoa nas gerações de colaboradores da própria Flip ao transformar o repertório cultural dos pequenos moradores de Paraty e também dos pequenos visitantes do evento.

Daí a importância de contar a história de Maria Firmina dos Reis, homenageada da edição de 2022, também para esse público. Uma negra maranhense, que viveu no século 19 e escreveu o primeiro romance abolicionista brasileiro.

E é o que propõe o livro da jornalista e escritora Andréa Oliveira, idealizadora da Coleção Meninas do Maranhão, série de biografias infanto-juvenis sobre a vida grandes mulheres maranhenses, que tem como obra de estreia “Maria Firmina, a menina abolicionista”, publicada pela Vento Leste.

Com ilustrações da artista visual Mônica Barbosa, o livro é fruto de dois anos de pesquisa a respeito da personagem e também da escravidão, um dos capítulos mais cruéis da história do mundo e principalmente do Brasil, o último país das Américas a abolir essa prática.
Andréa Oliveira, que é também autora do perfil biográfico do compositor João do Vale para público infantil, “João, o menino cantador” (Pitomba!), narra como designou sua escrita para o universo feminino, e a criação da Coleção Meninas do Maranhão.

“Quando veio a pandemia, aquela coisa de recolhimento, eu comecei a me olhar como mulher e como leitora primeiro. Dai, eu olhei para minha estante e percebi: nossa o meu autor preferido é homem, o meu poeta preferido é homem. Tudo que foi construído no meu imaginário da leitura, vem de homens. Claro que eu tenho um amor por Clarice Lispector, mas é cânone. Eu não estava vendo o que a contemporaneidade estava me trazendo de mulheres e que passaram batidas muitas outras. Então eu comecei a ler mulheres feito louca, e assim foi com a escritora que eu estava consolidando em mim. Eu queria falar de meninas com meninas, e aí nasceu a ideia de fazer a série Coleção Meninas do Maranhão”.

Sobre o significado da escolha de Maria Firmina dos Reis como o primeiro livro da série, Andréa afirma, “eu inauguro com Maria Firmina dos Reis, porque não poderia ser outra. É uma mulher que vem do século 19, e neste ano estamos celebrando 200 anos do seu nascimento. Porque ela é pioneira em tudo, e ela marca o início de tudo”.

A vida de Maria Firmina dos Reis é tão rica de acontecimentos impressionantes que parece até inventada. Mas como narrar para crianças a vida de uma pessoa tão forte e emblemática, como Maria Firmina dos Reis?

Andrea, que começou a escrever para talvez o seu público mais crítico, os seus dois filhos, relata, “quando você vai escrever uma história, tem que ter o quê, quem, quando, onde e o porquê. E a Maria Firmina tem esse tempo de vida que é em plena escravidão, que é a página mais horrorosa e mais terrível de nossa história. […] Então, eu me aproprio da narrativa para criança que já existe, que é a narrativa clássica, tanto que nos dois livros em que escrevi eu comecei com o “Era Uma Vez”. Portanto, eu não localizo no tempo ou numa cronologia específica. Mas Maria Firmina dos Reis viveu no lugar onde era normal e era permitido que se vendesse gente. Então, como falar que a gente viveu num tempo no nosso país que era normal vender e sequestrar gente. Isso dá ideia do horror para criança e fala a linguagem da criança. Porque para criança a gente precisa ser direto, não se pode dourar a pílula”.

A escritora também afirma que sobretudo ela segue uma premissa para a concepção de seus livros. “Tem uma coisa que me guia, que é alcançar e entregar, para todas as crianças, algo que contempla dois direitos fundamentais que toda criança tem: o direito à verdade e igualmente o direito à fantasia”.

Num país onde se demora tanto anos para reconhecer mulheres como Maria Firmina dos Reis, Carolina Maria de Jesus, Tula Ferreira Pilar e tantas outras, Andreia comenta sobre o silenciamento das mulheres tanto na literatura, quanto na sociedade.

“É a lógica da nossa cultura. Silenciar mulheres, principalmente mulheres pretas. Maria Firmina ficou mais de 100 anos sem que ninguém soubesse da história dela. E quando eu falo para as pessoas, eu digo que ela é a bela adormecida. Que foi silenciada e um mero acaso trouxe ela à tona. E sempre que eu falo isso, fico pensando: Quantas Marias Firminas? Quantas Carolinas Marias de Jesus não estão escondidas? Acredito que é o meu papel hoje é trazer à tona essas pessoas, para que valorizem, para que respeitem. Sobretudo para que sejam referência!”, afirma Andréa.

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