Fonte: Elton Alisson | Agência FAPESP
Um tomógrafo por impedância elétrica desenvolvido pela empresa paulista Timpel ajudou médicos do Massachusetts General Hospital, em Boston, nos Estados Unidos, a reduzir em 80% a necessidade de pacientes com insuficiência respiratória aguda internados na instituição e com indicação de terapia de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) serem submetidos ao tratamento, popularmente conhecido como “pulmão artificial” e adotado hoje em casos muito graves de COVID-19.
Os resultados do estudo foram descritos em artigo publicado na revista Respiratory Care.
“A equipe de resgate pulmonar desse hospital tem utilizado o equipamento que desenvolvemos desde 2016 e vem obtendo resultados espetaculares”, disse Rafael Holzhacker, em palestra apresentada durante o webinário “Empreendedorismo científico e inovação em resposta à COVID-19”, realizado pela FAPESP, com apoio do Global Research Council, no dia 7 de abril.
O tomógrafo por impedância elétrica, desenvolvido pela empresa com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), permite que equipes médicas monitorem ininterruptamente e de forma não invasiva, à beira do leito, a condição do pulmão de pacientes com insuficiência respiratória. Desse modo, é possível otimizar a ventilação mecânica com o objetivo de reduzir complicações e lesões pulmonares e evitar o prolongamento desnecessário do procedimento.
“A ventilação mecânica é complexa, não intuitiva e apresenta vários perigos que não são visíveis à beira do leito. Além disso, as respostas dos pacientes são muito heterogêneas”, apontou Holzhacker.
A evolução dos pacientes durante a intubação é lenta e a estratégia de ventilação mecânica adotada em um caso pode não funcionar em outro.
“Por isso, é muito importante a equipe médica ter indicadores individualizados para visualizar a condição do pulmão de um paciente para realizar a ventilação mecânica adequadamente, com a finalidade de diminuir o tempo de dependência e, consequentemente, os efeitos colaterais da intubação”, afirmou Holzhacker.
O tomógrafo faz a avaliação da resistência à passagem de uma corrente elétrica (a impedância), que varia substancialmente devido ao ar nos pulmões, na medida em que o paciente inspira e expira.
Por meio de uma cinta com 32 eletrodos, o equipamento emite uma corrente elétrica de baixa intensidade ao redor do tórax do paciente – similar à corrente elétrica utilizada em exames de eletrocardiograma.
À medida que atravessa o tórax e encontra diferentes resistências no percurso, a corrente elétrica indica a região dos pulmões por onde o ar está circulando. Com base na impedância medida na superfície do tórax são geradas 50 imagens por segundo, que representam a distribuição e a dinâmica de insuflação do pulmão, fornecendo uma informação vital ao médico, em tempo real, à beira do leito.
Um software integrado ao equipamento, desenvolvido durante o projeto apoiado pelo PIPE-FAPESP, permite à equipe médica avaliar a melhor estratégia de ventilação protetora para o paciente.
Com o auxílio do equipamento, a equipe médica do Massachusetts General Hospital desenvolveu estratégias de ventilação mecânica individualizada para 15 pacientes com insuficiência respiratória aguda internados na instituição e com indicação de ECMO.
Por meio de manobras de ventilação mecânica visualizadas por meio do tomógrafo, eles conseguiram que apenas dois dos 15 pacientes com indicação de ECMO fossem submetidos ao procedimento, em que o sangue do paciente circula fora do corpo, por meio de cânulas, passa pela bomba e membrana de um equipamento que funciona como um pulmão artificial e retorna oxigenado para o corpo.
“O ECMO é um dos últimos recursos utilizados em uma UTI por ser caro e muito complexo, e com a pandemia de COVID-19 a necessidade dessa terapia foi multiplicada”, disse Holzhacker.
A mesma equipe médica do hospital americano relatou em outro estudo, publicado no início de 2020 na revista Critical Care, ter conseguido também com base na ventilação mecânica individualizada visualizada através do tomógrafo desenvolvido pela Timpel reduzir pela metade o risco de morte de pacientes obesos e com insuficiência respiratória aguda que necessitaram ser intubados.
“A conexão com a equipe médica desse hospital, que é o maior da Universidade Harvard, e de outras instituições hospitalares, não só nos Estados Unidos, mas também no Brasil, Itália e Espanha, foi fundamental para respondermos às demandas apresentadas pela pandemia de COVID-19”, afirmou Holzhacker.
Também contribuiu o fato de terem desenvolvido antes da pandemia de COVID-19 uma ampla gama de aplicações para o tomógrafo, como para pacientes obesos – que fazem parte dos grupos de risco de desenvolver formas graves da doença -, para ajudar a avaliar o efeito da colocação do paciente na posição prona (de bruços), para uso pediátrico e em neonatos, entre outros usos, avaliou o executivo.
Plataforma versátil
A versatilidade de uma tecnologia utilizada por pesquisadores da startup Biolinker para produzir proteínas recombinantes de difícil expressão também foi o que permitiu à biotech desenvolver kits e testes de diagnóstico para detecção de COVID-19.
Baseada em uma metodologia chamada de sistema livre de células, existente há mais de cem anos e empregada para decodificar o genoma humano, a tecnologia ainda é muito cara.
Por meio de aprimoramentos em etapas da metodologia, os pesquisadores da empresa, incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), têm conseguido produzir e purificar proteínas recombinantes de forma acelerada.
“Somos a segunda empresa no mundo capaz de liofilizar esse sistema livre de células. Isso é importante porque permite aumentar o rendimento de proteínas, além de facilitar o transporte e a estabilidade”, disse Mona das Neves Oliveira, fundadora da empresa.
Com a emergência da COVID-19, os pesquisadores da Biolinker viram que a plataforma tecnológica que desenvolveram poderia ser usada para produção de proteínas liofilizadas do SARS-CoV-2, que são importantes para o desenvolvimento de vacinas, novos medicamentos e testes de diagnóstico da doença. Entre essas proteínas estão a nucleocapsídeo N – a fração antigênica da proteína da superfície do SARS-CoV-2, chamada spike, usada pelo novo coronavírus para se conectar a um receptor nas células humanas, a proteína ACE2, e infectá-las – e a RBD (sigla em inglês de domínio de ligação do receptor), que é a ponta da spike.
A nucleocapsídeo N está sendo usada em um teste ELISA – sigla em inglês de Enzyme-Linked Immunosorbent Assay – que a empresa está desenvolvendo em parceria com a professora Ester Sabino, pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IMT-USP), por meio de projeto apoiado pelo PIPE-FAPESP.
O teste visa detectar a presença de anticorpos do tipo imunoglobulina G (IgG), produzidos ainda na fase aguda da doença (em média dez dias após o início dos sintomas) no soro de pacientes (leia mais em pesquisaparainovacao.fapesp.br/1406).
O teste foi validado pelo IMT-USP por meio de amostras de sangue de 250 pacientes atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
“Conseguimos obter resultados muito interessantes. Os dados indicaram que o teste que desenvolvemos têm 95% de sensibilidade para detectar anticorpos IgG, um índice maior do que de outros testes disponíveis comercialmente”, comparou Oliveira.
Já a proteína RBD está sendo usada em um teste popular de COVID-19 que a empresa desenvolveu em parceria com o pesquisador Frank Crespilho, professor do Instituto de Química de São Carlos da USP (IQSC) (leia mais em agencia.fapesp.br/35036/).
“Essa proteína, que é importante para avaliar a eficácia de vacinas contra a COVID-19, porque detecta anticorpos neutralizantes, é extremamente difícil de ser expressa. Desenvolvemos estratégias para manter a estabilidade e melhorar a resposta e sensibilidade dela”, disse Oliveira.
Os dois testes estão em fase final de ensaios para obterem o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Mais recentemente, a empresa estabeleceu uma parceria com os pesquisadores Ligia Morganti e Carlos Roberto Jorge Soares, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), para produzir a proteína spike do SARS-CoV-2 inteira.
“Essa proteína é extremamente grande, difícil de ser expressa, e estamos produzindo ela em células humanas”, disse Oliveira.
Cultura de inovação
Além da Biolinker e da Timpel, outras empresas apoiadas pelo PIPE-FAPESP têm se destacado no desenvolvimento de soluções voltadas ao combate da COVID-19. Entre elas estão a Biologix e a Hoobox, ambas integrantes da Eretz, a incubadora de startups do Hospital Israelita Albert Einstein.
A Biologix desenvolveu um sistema baseado em internet das coisas para diagnosticar e monitorar apneia do sono em ambiente domiciliar que se mostrou útil para acompanhar remotamente pacientes com suspeita ou sintomas brandos de COVID-19 e encaminhá-los a um hospital somente ao detectar a piora nos sinais clínicos (leia mais em pesquisaparainovacao.fapesp.br/1374).
Já a Hoobox desenvolveu em parceria com uma spin-off do Einstein, a startup Radsquare, um sistema que, por meio de inteligência artificial e visão computacional de reconhecimento de face, identifica pacientes com febre a distância. O equipamento tem sido utilizado pela instituição hospitalar no monitoramento de visitantes (leia mais em agencia.fapesp.br/32933/).
“Esse sistema, batizado de Fevver, foi desenvolvido com o Hospital Israelita Albert Einstein”, disse Rodrigo Bornhausen Demarch, diretor de inovação da instituição e cofundador e CEO da healthtech Zetta Health Analytics.
De acordo com o executivo, a área de inovação do hospital paulista é mais conhecida pela Eretz, mas a inovação na instituição vai muito além e é iniciada em uma área chamada Design Lab.
“É por meio dessa área que as iniciativas de inovação começam a ser fomentadas dentro da organização”, explicou Demarch.
Já a gestão do processo de inovação, da propriedade intelectual, que inclui a transferência e licenciamento de inovações tecnológicas e o desenvolvimento de parcerias com empresas e universidades, é feita no Einstein por meio de uma área chamada Business Technology Center (BTC).
A Eretz é o terceiro grande pilar de inovação do Einstein, afirmou o executivo. Concebida originalmente como uma incubadora de startups, ela se transformou em um ecossistema de inovação e empreendedorismo em saúde, reunindo hoje 76 empresas, sendo 70% atuantes em saúde digital, 15% em biotecnologia e o restante voltado ao desenvolvimento de dispositivos médicos.
As empresas incubadas recebem apoio em marketing, desenvolvimento de negócios, capacitação, proteção da propriedade intelectual e captação de recursos de investidores-anjo e de agências de fomento à pesquisa e inovação tecnológica, entre outras formas de auxílio.
“As startups incubadas na Eretz captaram mais de R$ 9 milhões em recursos para o desenvolvimento de soluções voltadas ao combate do novo coronavírus”, disse Demarch.
Na opinião dele, o empreendedorismo de base tecnológica em saúde no Brasil já atingiu um bom nível de maturidade. Se apoiar em ciência é fundamental para desenvolver inovações nessa área, indicou.
“Uma boa healthtech precisa estar sempre apoiada em ciência, antes de qualquer coisa, na grande maioria dos casos, e isso requer um processo exploratório para identificar um problema clínico não resolvido”, avaliou.
A íntegra do evento pode ser acessada em covid19.fapesp.br/488.
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