André Julião | Agência FAPESP – Para as famílias que vivem do extrativismo e da agricultura de pequena escala, a criação de gado pode ser uma importante fonte de valor. Em épocas de safra ruim ou mesmo em caso de alguma emergência, você pode vender uma ou mais cabeças e levantar algum dinheiro rapidamente.
Quando se trata da Amazônia, porém, a pecuária é uma das maiores inimigas da conservação do bioma, do qual depende a regulação do clima do planeta, a começar pelas chuvas que regam o Agronegócio do Centro-Oeste e Sudeste do Brasil. E, muitas vezes, não dá um retorno financeiro satisfatório quando comparada a outras atividades.
Diante desse cenário, um projeto suportado pela FAPESP vai avaliar e monitorar as alternativas ao desmatamento na Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, em Epitaciolândia, no Acre. Criada em 1990 a partir das lutas de Chico Mendes e outros sindicalistas, a reserva hoje possui, além do extrativismo da borracha e da castanha, a criação de gado e pequenas roças.
O projeto ocorre sob a Iniciativa Amazônia+10que recebeu, por meio do Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap), propostas de projetos de pesquisa na região.
Na primeira chamada, cujos resultados foram divulgados no final de 2022, cada um dos 39 projetos selecionados contou com a participação de pesquisadores de instituições de pesquisa de pelo menos três estados cujas Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) aderiram ao programa (Leia mais em: agencia.fapesp.br/40082/).
“As reservas extrativistas são unidades de conservação onde vivem populações tradicionais que fazem uso sustentável da terra. De acordo com o Plano de Manejo da Resex Chico Mendes, cada ocupação pode utilizar até 10% de sua área, limitada a 30 hectares, para atividades agropecuárias, de criação de pequenos animais, piscicultura e atividades agroflorestais”, explica Lucas Ferreira Lima, pesquisador do projeto e pós-doutorando no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp).
Devido ao baixo custo da mão de obra, explica o pesquisador, há uma atrativa taxa de retorno da pecuária, ampliando as áreas de pastagens dentro da Resex. “No entanto, estamos analisando alternativas, como sistemas agroflorestais (SAFs) e látex de seringueira, que podem proporcionar maior Renda sem derrubar a floresta”, acrescenta.
Além da Unicamp, participam pesquisadores das universidades federais do Acre (UFAC) e do Pará (UFPA). O projeto foi dividido em quatro grupos de trabalho (GTs). Um deles analisará o aspecto socioeconômico, avaliando o desempenho das famílias em atividades alternativas ao desmatamento.
O GT ambiental, por sua vez, avaliará a eficácia dos sistemas agroflorestais na conservação da biodiversidade aquática e terrestre, além de suas funções ecossistêmicas. O GT de recuperação florestal vai promover, em duas áreas, a recuperação da vegetação em Áreas de Preservação Permanente (APPs). Já o GT de Divulgação Científica produzirá material audiovisual que alimentará o canal do projeto no YouTube.
“Esperamos ter uma compreensão mais clara dos fatores que efetivamente podem tornar o extrativismo novamente atraente, dada a alta taxa de retorno proporcionada pela pecuária. Informações preliminares já obtidas indicam que, sem uma combinação efetiva com políticas de comando e controle, os incentivos econômicos por si só não garantem a preservação da floresta”, afirma. Ademar Ribeiro Romeiroprofessor do IE-Unicamp e coordenador do projeto.
Alternativas
Um dos gargalos para os agricultores locais é o escoamento da produção. Durante a estação chuvosa, entre outubro e abril, as estradas ficam intransitáveis. Os frutos cultivados se perdem e não há como enviar o látex coletado na mata para fora da Resex.
Uma das alternativas a serem estudadas é o beneficiamento de cacau, cupuaçu, castanha-do-brasil e outras culturas existentes na reserva. Na forma de geleias, doces e biscoitos, por exemplo, esses produtos teriam maior durabilidade e valor agregado.
“Mesmo assim, há produtores que possuem sistemas agroflorestais em suas áreas há mais de 20 anos e estão obtendo bons resultados. A ponto de vizinhos que preferiam desmatar e criar gado se arrependerem. Embora a pecuária seja uma reserva de valor, ela não gera Renda mensal como as plantações, que produzem em diferentes épocas do ano e ainda mantêm algumas funções da floresta”, diz Oleides de Oliveira, professor da UFAC e pesquisador associado do projeto.
Além disso, quem explora os seringais nativos da reserva já ganha mais do que os pecuaristas. Graças a um acordo com uma fabricante de calçados, todo o látex é comprado pela empresa, que continua demandando a matéria-prima e incentivando outros moradores a voltarem à atividade que deu origem à Resex.
“Outros que abandonaram estão voltando para coletar látex nativo ou mesmo de seringueiras cultivadas para esse fim. A empresa, por sua vez, agrega valor ao produto com um selo de borracha sustentável”, diz Oliveira.
A primeira visita dos pesquisadores à Resex, como parte do projeto, ocorreu em junho. Em setembro, serão realizadas as primeiras entrevistas com algumas das 100 famílias que fazem parte da amostra (a área totaliza 970.570 hectares). As conversas vão subsidiar a primeira análise multicritério para estudar as alternativas mais viáveis ao desmatamento e à pecuária na Resex.
Uma primeira região de APP degradada foi cercada e terá as primeiras mudas plantadas em 2023, enquanto as análises ecológicas devem começar em breve.
“Vamos buscar identificar critérios, valores, pontos de vista fundamentais com os moradores da Resex e avaliar as alternativas ao desmatamento que se encaixem nos valores dessas pessoas, até para que isso seja sustentável para as próximas gerações”, finaliza Lima.
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