“Som Protagonista, contos e lendas do mundo”, o projeto lítero-musical de Camila Lordy

Pianista e historiadora, Lordy pesquisou narrativas tradicionais da Índia, Grécia, Turquia, Gana e Brasil para recriar histórias e compor músicas inéditas

Fonte: Nany Gottardi | locomotivacultural.com.br

Foi em meio à pandemia que a pesquisa de quatro anos da multi-instrumentista e historiadora Camila Lordy, sobre contos, mitos e lendas do mundo relacionados ao som (e ao silêncio) tomou forma. “Som Protagonista, contos e lendas do mundo” marca a estreia da carreira solo da musicista que há mais de 25 anos excursiona pelo Brasil e pelo mundo ao lado de grandes artistas.

O projeto se materializou em livro digital, álbum e três clipes durante o período de isolamento social vivido pela artista, que já vinha colecionando histórias de diversas culturas onde o som tinha papel fundamental. Camila entendeu ser esse o momento ideal para organizar e lançar o material, já que propõe na obra uma reconexão do público com o mundo exterior, mas, antes disso, com o mundo interior. “O estudo da linguagem musical contém poesia, a potência de criar outros mundos, dar outras respostas para a vida quando ela está aprisionada na repetição do tempo cronológico e cotidiano. Esse tempo endurecido nos faz ouvintes desatentos se for a única experiência possível.” Comenta Camila, em trecho do texto introdutório do livro.

Contemplado na 1ª Edição do Prêmio Aldir Blanc de Apoio a Cultura da Cidade de São Paulo no módulo I – Maria Alice Vergueiro, o projeto pôde ser viabilizado.


Crédito: Pedro Cezar Ferreira


O processo criativo

Os paradoxos presentes na criação, nas histórias pesquisadas e no período atual que a humanidade enfrenta foram propulsores para que o trabalho acontecesse. Os opostos complementares de som e silêncio, caos e ordem, parte e todo, guiaram o trabalho e o resultado foi o livro digital – com releituras de histórias tradicionais da Índia, Grécia, Turquia, Gana e Brasil e partituras de composições criadas, ao piano, a partir dessas narrativas.
A escrita do livro e a composições das músicas acabou sendo um processo criativo de mão dupla. As narrativas sugeriam sons e a música criava uma ambiência para o texto que Camila estava produzindo. Sobre essa dinâmica Camila conta “Fui capturada pelas narrativas e passei a procurar, no piano, melodias e harmonias que de algum modo se relacionassem com elas. Este livro tornou-se uma coleção de histórias com sons nas suas mais variadas formas de expressão”.

O álbum, que é uma co-produção de Camila e Pedro Ito, tem o caráter da multiculturalidade refletido também em sua ficha técnica, com músicos do Brasil (Pedro Ito, Kastrup, Débora Gurgel, Daniel Reginato, Paula Mirhan, Clara Ito, Fi Maróstica); Moçambique (Selma Uamusse e Cheny Wa Gune); Austrália (Idris Aslami) e França (Jean- Luc Thomas). A mixagem é de Gustavo Lenza e masterização de Ricardo Prado.

Como desdobramento do projeto nasceram ainda os clipes das músicas Aum (realizado e lançado, em dezembro de 2020, por meio do prêmio Edital Prêmio Funarte RespirArte) e os inéditos Tansen e Amoa hi – cada um com uma estética própria, em referência ao capítulo do livro e faixa correspondente. O projeto é um convite que Camila faz aos interessados por cultura e música, mas, principalmente, aos interessados na experiência humana que se desdobra a partir da intersecção entre o conjunto de elementos presentes em uma tradição e as múltiplas possibilidades sonoras originárias dessa cultura.

O prefácio do livro é do pianista, arranjador, compositor, produtor e curador, Benjamim Taubkin – que instiga o leitor/ouvinte para um mergulho desnudo: “O que a leitura de Som Protagonista nos propõe é acessar todas estas outras instâncias que a música nos proporciona. De nos abrirmos para a intensa experiência de estarmos vivos e conectados com as infinitas possibilidades deste cosmos. Algo que nos torna mais universais e ao mesmo tempo mais profundamente humanos.”

Crédito: Pedro Cezar Ferreira

Mais sobre o projeto
Instigada por uma conversa com seus jovens alunos (de 12 a 20 anos) da Escola de Música do Auditório do Ibirapuera, Camila percebeu o quanto narrativas mágicas, que transportassem o leitor (ou ouvinte) para realidades além da sua, poderiam ser potentes para esse público. Por isso, em um primeiro momento, idealizou o livro tendo em mente jovens dessa faixa etária. Mais tarde chegou à conclusão de que a experiência artística proposta pelo projeto como um todo – livro (e mais tarde as músicas e os clipes) – poderia ser vivenciada por públicos de qualquer idade.

O projeto não tem a pretensão de ser uma pesquisa etnomusicológica e sim uma interpretação pessoal a partir de pesquisa em livros de história, música, poesia, literatura e livros didáticos. As histórias que o público encontrará têm inspiração na tradição oral mas trazem a percepção e a vivência musical e pessoal de Camila que já viajou por diversos países do mundo, sempre com um olhar atento e curioso para os pontos onde música e cultura se tangenciam.

Para enriquecer ainda mais experiência do leitor e contextualizar a cultura originária de cada enredo, Lordy adiciona seu olhar de historiadora: “Há informações complementares, espalhadas nos capítulos, sobre contextos religiosos, filosóficos e sociais de cada história que podem ajudar a compreender melhor a música da qual estamos falando.”

Ainda para contemplar visualmente os contrastes presentes nas narrativas, Camila convidou dois ilustradores com linguagens bem diferentes. O traço forte e concentrado de nanquim, canetinha e caneta esferográfica de Paulo Arena se contrapõe à pincelada liquefeita da aquarela de Pedro Cezar Ferreira criando um conjunto de imagens que demonstram as nuances, assimetrias e pontos de convergência presente nas histórias apresentadas no livro.
Camila ainda adicionou ao livro um apêndice com partituras para piano das composições inéditas que fez para a cada história do livro, o que se tornaria o álbum.

Para a apreciação do conteúdo musical Camila propõe ao público uma experiência que conecte o ouvinte com o que há de mágico, divino e transcendental nas histórias tradicionais (e porque não em si mesmos): “A música imaginária que vai surgir dos mitos, lendas e relatos desta coleção pertencem ao reino do ilimitado, do “pré-individual”, quando ainda estávamos conectados com a fonte criadora. Consegue imaginar essa rede interligada? Sons contidos no mar de informações, intuições e fantasias soltas no espaço de conexão entre você, eu e os habitantes da Terra. Que tal tentarmos a experiência da rede através de sons imaginários?”

“O argumento do som como protagonista parte da ação dos personagens envolvidos em acontecimentos nos quais o som é o criador de trajetórias cuja importância revela singularidades culturais, diferentes modos de vida compondo as bases de uma sociedade.”

Camila Lordy | Foto: Gabriela Bernd

Camila Lordy
Nasceu e vive em São Paulo, é formada em Composição e Regência, Faam-FMU, 2000. Fez graduação em História na USP e mestrado na linha de pesquisa em História e Cultura Social pela UNESP, 2021. É pianista, compositora, educadora e pesquisadora. Excursionou com a companhia do Teatro da Vertigem em festivais internacionais – Dinamarca, Colômbia, Rússia e Chile. Como pianista, gravou e participou dos trabalhos de diversos artistas nacionais, Simone Sou, Supla, Junio Barreto (PE), Marina Wisnick, Vanessa Bumagny, Lú Lopes. Com a Banda Glória, realizou uma turnê para Índia, 2009. Com Thiago Pethit apresentou-se em Buenos Aires, Lisboa e Paris. Acompanhou a cantora Fernanda Takai e realizou turnê no Japão, 2017. Há dez anos faz parte do projeto Música de Brinquedo da banda mineira Pato Fu. Compôs a trilha para o telefilme “A Musa Impassível”, 2011, exibido na TV Cultura, a trilha ao vivo para o filme “O Supersticioso”, IV Jornada Brasileira de Cinema Silencioso na Cinemateca Brasileira, e músicas para os espetáculos “As Roupas do Rei”, 2002, e “Luna Clara e Apolo 11”, 2005, da Companhia de teatro La Leche. Há doze anos leciona música na Escola de Música Auditório Ibirapuera onde também é orientadora pedagógica. Desenvolveu o projeto “Som Protagonista, contos e lendas do mundo” a partir das experiências em sala de aula. Suas pesquisas buscam as intersecções entre a linguagem oral, a linguagem letrada e visual. Dedica-se a pensar os encontros entre os sons e as narrativas, a música e a história, os produtos e os processos que fazem da arte o resultado de uma experiência do seu tempo histórico.

Crédito: Pedro Cezar Ferreira

Ficha técnica livro
Autora e compositora: Camila Lordy
Pesquisa: Camila Lordy
Edição de texto: João Paulo Charleaux
Revisão de texto: Ana Eliza Colomar
Edição e revisão de partitura: Débora Gurgel
Ilustrações originais: Paulo Arena e Pedro Cezar Ferreira
Design gráfico: Dui

Ficha técnica álbum
Composições: Camila Lordy
Produção: Camila Lordy e Pedro Ito
Camila Lordy: piano
Pedro Ito: vaso, bombo leguero e percussões
Kastrup: caxixi e tambor em Akim
Jean Luc : flautas em Rumi
Cheny Wa Gune: kalimba
Débora Gurgel: flautas em Amoa hi
Fi Maróstica: baixo acústico
Selma Uamusse: voz em Akim
Idris Aslami: voz em Rumi
Paula Mirhan e Clara Ito: vozes em Amoa hi
Daniel Reginato: arranjo vocal para Amoa hi
Técnico de gravação do piano: Alexandre Fontanetti
Pós-produção e edições: Pedro Ito
Mixagem: Gustavo Lenza
Masterização: Ricardo Prado

Ficha técnica clipes

AUM
Trilha original e elenco: Camila Lordy
Direção: Marcos Franja
Projeção: Embolex
Câmera: Fernão Ciampa
Edição: Rafael Cerqueira

TANSEN
Trilha original e fotos: Camila Lordy
Elenco: Camila Lordy e Pedro Ito
Luz: Marcos Franja
Câmera: Fernão Ciampa e Pedro Ito
Edição: Rafael Cerqueira

AMOA HI
Trilha Original (Composição e piano): Camila Lordy
Animação e direção: Márcio H Mota
Arranjo de sopro e flautas: Débora Gurgel
Arranjo vocal: Daniel Reginato
Vozes: Paula Mirhan e Clara Ito
Edição de áudio: Pedro Ito
Mixagem: Gustavo Lenza
Masterização: Ricardo Prado

Redes sociais do projeto e da autora
Facebook: https://www.facebook.com/somprotagonista/
Instagram: https://www.instagram.com/camilalordy
Site: http://www.camilalordy.com

Crédito: Pedro Cezar Ferreira

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