Montagem de Júlia Maciel, une as obras de Brecht com a cultura popular brasileira
Uma proposta ousada do Grupo Galpão mistura o conceito francês de Cabaré com fragmentos das obras do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. O ambiente intimista e misterioso se popularizou no final do século XIX, dosando o entretenimento dos franceses com música, dança e números teatrais. Essa é a premissa que vai cercear o espetáculo “Cabaré Coragem”, no Sesc Belenzinho.
A trupe formada por Antonio Edson, Eduardo Moreira, Inês Peixoto, Luiz Rocha, Lydia Del Picchia, Simone Ordones e Teuda Bara incorpora um grupo de artistas envelhecidos e decadentes que, através da arte, tentam se impor diante das crueldades da própria realidade.
O primeiro contato do público com este universo acontece desde a chegada ao espaço ocupado pelo Galpão. A trupe ocupa a sala multimeios lá do Belezinho, com mesas decoradas com abajures, arquibancadas, doses de pinga e música.
Já em cena, os artistas recebem a plateia com muita animação. Uma prévia do que se espera para a montagem. Um verdadeiro Cabaré regido por Luiz Rocha, com uma trilha sonora ousada e popular, misturando hits do tecnobrega, forró e funk. De tudo um pouco.
Durante toda a apresentação, os funcionários da Mãe Coragem, personagem da icônica Teuda Bara, se dirigem ao público, com provocações, perguntas e piadas. A plateia é até mesmo estimulada a dançar durante o intervalo.
Mas a folía acaba por aí, mascarada entre as risadas e os exageiros, o Cabaré Coragem levanta questões importantes. Em seu texto, a montagem aborda diversas pautas sociais; o envelhecimento e precarização dos artistas, por exemplo, é uma dos temas centrais.
Sob as garras da Mãe Coragem, a trupe discorre sobre a miséria e injustiça da atual sociedade brasileira, presa na lógica do capitalismo contemporâneo. Tudo isso, ao longo de números de acrobacias, ventriloquismo, dança, fragmentos de textos da obra de Brecht e cenas de dramaturgia própria. Afinal, como cantam os artistas: “teatro, no fundo é puro teatro, falsidade ensaiada”.
Entre as referências, a “Mãe Coragem”, por exemplo, faz alusão a “Mãe Coragem e os Seus Filhos”, de Brecht e Margarete Steffin, texto que já recebeu muitas adaptações para os palcos. Em outro momento, o cenário político brasileiro vem à tona com citações de “imbecilidade das redes sociais” e a “mulher monstro das famílias de bem”.
Na peça, o elenco ainda faz uma grande miscelânea do clássico e do moderno, com repertório que vai desde “Singapura”, de Eduardo Dussek, até “Eu Sou a Diva Que Você Quer Copiar”, da funkeira Valesca Popozuda. Ainda dá pra conferir, o “Tango dos Açougueiros Felizes”, do francês Boris Vian, e canções como “Coração materno” de Vicente Celestino e, até mesmo, “Xibom Bombom”, de As meninas.
Não é atoa que os ingressos para ver “Cabaré Coragem”, esgotaram rapidamente em São Paulo. A montagem fica em cartaz até o dia 5 de maio.
Gabriela Reis é jornalista da Rádio Cultura FM, apresentadora do Literático Podcast, programa feito em parceria com Letycia Holanda, e pós-graduanda em Jornalismo Cultural, pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.
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