Era o Chico!

por @lilahbete

Eu tenho um estoque tão bom de coisas legais para contar que as vezes acabo me esquecendo, e eu já ia deixando passar essa historinha aqui.

A protagonista junto a mim foi Sandra, uma garota muito dez.

Eu vivia endividada, e sempre que ela vinha me convidar para algum programa divertido como um show ou um teatro eu saía com o clássico – estou a nenhum Sandrinha… olha aqui a minha carteira, só couro de rato…

Ela foi se enchendo, e resolveu tomar uma atitude drástica. A partir de um certo dia, ela passou a me abordar sem-cerimoniosamente: – Bete, me empresta um trocado?

Ela veio pegando de pouco em pouco. Um dia era um trocado para buscar cigarros. Noutro para pagar um táxi. Ou para comprar uma revista. E eu distraída ia dando o dinheiro a ela sem nem perceber.

No final de um certo tempo, ela veio com um ultimato – quero você em casa no próximo sábado a tal hora. E sabendo da minha monumental preguiça me atirou o indicador no rosto:

– Nem pense em dar uma de louca!

Então eu fui. Sandra morava na charmosa Vila Madalena. Chegando, notei um sorrisinho no canto dos lábios de todos da casa. O carro já estava na rua, estavam todos prontos e me aguardando, ela, sua irmã Claudia, seu pai e sua mãe.

– Onde vamos, Sandra?

– Não interessa. E pode ir me dando os seus óculos.

– Como?

Pois é, ela me tirou os óculos, isso me transforma automaticamente numa inválida. Chegamos. Era um salão elegante, com mesas e cadeiras, um restaurante ou um bar, e sem os óculos não me situei, não vi o nome do estabelecimento, não sabia onde estava.

Mas havia um palco. Os instrumentos já estavam ali, a postos, ao lado dos microfones, foi o que mais ou menos eu pude ver, curiosíssima. E os familiares dela, sorrindo enigmaticamente para mim. E de mim.
As luzes se apagaram, Sandra me devolveu os óculos.

E ele entrou.

Ai Jesus… Ai meus sais…

Era ele.

Era o Chico.

Um detalhe: o lugar escolhido pela minha amiga foi na primeira fila, na mesa de centro. Eu estava então cara a cara com o ídolo da minha infância, das primeiras canções que aprendi a decorar, com o primeiro grande amor da minha vida, o poeta das mulheres, o sonho de qualquer uma de nós, ele, o doce, meigo, lindo e talentoso Chico Buarque de Hollanda.

O mais engraçado é que eu queria chorar, mas não podia. Não podia porque se eu chorasse incomodaria os demais, que estavam lá para ouvir o Chico, não para me ouvir chorar.

Então as lágrimas me deslizavam mansas e quietinhas, e a Sandra e a sua irmã, divertidas, iam limpando meu rosto com os papeizinhos de guardanapos.

Não é demais uma coisa dessas, ganhar um Chico Buarque de presente?

“Eu te vejo sumir por aí

te avisei que a cidade era um vão

dá tua mão…”

Gente, como eu chorei.

Onde estará minha amiga Sandra? Deus a abençoe. Arrancou dinheiro de mim por um belo motivo.

Belíssimo, eu diria. Meu Deus, como é belo…

https://www.x.com/lilahbete

Reprodução: DVD – Chico Buarque – Carioca Ao Vivo

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