por @lilahbete
Andei falando sobre anjos com alguns amigos, então me lembrei de uma historinha interessante que me aconteceu.
Num belo dia, ou melhor, num triste dia, eu saí da cama me sentindo um caco. As costas doíam, sentia que ia ficar gripada, a noite tinha sido mal dormida, cabeça pesada, um sono inacreditável. Sentia-me um lixo.
No ponto de ônibus, todo o meu ser dizia NÃO àquela coisa sacolejante. Pensei, não vou aguentar um ônibus, não com esse cansaço todo que estou sentindo, não com o dia terrível que terei pela frente. Contei o dinheirinho da carteira. Dava para um táxi.
Se eu estivesse em plena posse do meu juízo não faria aquilo, pois noves fora zero, o valor do táxi era exatamente o dinheiro que eu ganharia naquele dia de trabalho, o mais correto seria voltar para a cama e ficar empatada. Mas o trabalhador responsável, leia-se besta, tem dessas coisas. Mesmo morrendo, vai trabalhar.
E lá fui eu, e de táxi. Eu trabalhava na Praça da República, um endereço fácil para qualquer taxista. Disse o meu destino ao motorista, e despenquei no banco de trás. Mas mesmo morta de cansada, eu nunca desligo as minhas antenas, e as minhas me avisaram que algo estava estranho.
Notei que o motorista não parava de me olhar pelo espelho retrovisor. Então o meu olhar encontrou com o dele. Então ele falou: – Moça – naquele tempo ainda me chamavam de moça – veja bem – (não vem nada de bom depois dessa frase) – É que hoje é a primeira vez que eu dirijo depois de tirar a habilitação. Para dizer a verdade, hoje é também o meu primeiro dia num táxi, e eu estou muito nervoso. Será que você poderia me ajudar?
Naquele momento minha adrenalina disse: presente! picos altos. Empertiguei-me no banco. Avaliei rapidamente a encrenca em que tinha me metido, e vi que tinha duas alternativas: a primeira seria descer ali mesmo, e deixar o taxista entregue ao seu nervosismo de principiante. A segunda era assumir a posição de co-piloto, ou, no caso, professora de auto escola.
Escolhi a segunda, mas não elogie minha bondade por isso. Escolhi a segunda porque o táxi já havia me afastado de qualquer possibilidade de encontrar um ônibus. – Tudo bem, mantenha a calma. Fique na mão direita, é melhor para você. Cuidado, você está indo novamente para a esquerda. Olhe, aquele caminhão está sinalizando, deixa ele passar. Ali adiante nós iremos entrar à direita, é bom você já ir sinalizando. Sinalizando para a direita, você está dando seta para a esquerda. Você está vendo as placas? Quando a gente está desorientado no trânsito, é só ler as placas. Está vendo? Centro, nós estamos indo para o Centro. Não, não, não entre aqui, nós vamos sempre reto. E assim fui dirigindo a situação e acalmando o moço.
Quando estávamos quase chegando ao meu destino, ele já estava bem mais calmo. Ele ainda tinha me dito para ajudá-lo a chegar num outro endereço, após aquele, então eu ainda o orientei a como chegar nesse outro lugar. Quando pisei na calçada, eu estava me sentindo totalmente disposta, minha coluna já não doía, os sinais da gripe que eu sentia que ia pegar tinham desaparecido, a cabeça estava ótima e o sono já tinha ido embora por completo, até porque eu tinha perdido todo o sono na primeira curva mal feita que o taxista fez. Tudo efeito da quantidade enorme de adrenalina que minhas assustadas glândulas segregaram.
Rapidamente firmei o olhar para me certificar se o moço estava pegando o caminho correto que eu tinha ensinado, quando, cadê ele? O taxista sumiu, não havia nenhum táxi por ali. Fiquei matutando: Será que os anjos andam de carro por aí? Será que o bom Deus mandou aquele moço atrapalhado só pra me levantar? Seria ele um anjo? Mas enfim deixei de lado pensamentos românticos ou místicos, já eram horas de eu estar há muito em minha mesa. Mas no trabalho, revi toda a cena, e gostei de pensar que talvez fôssemos apenas duas vidas atrapalhadas que se cruzaram, e se tornaram momentaneamente anjos uma da outra.
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